segunda-feira, 14 de outubro de 2024

SSA Mapping: escolhas curatoriais, inteligência artificial e representação

Mercado Modelo - SSA Mapping, 2024

Elevador Lacerda - SSA Mapping, 2024


No domingo (13), compareci ao festival de projeção mapeada SSA Mapping, na Praça Maria Felipa, em Salvador. Nesta edição do evento, obras de artistas de diversos lugares do Brasil e do mundo divertiram e deslumbraram o público no final de semana do Dia das Crianças. Projeções interativas espalhadas pela praça ajudaram a atrair o público para o momento da mostra principal, que projetou vídeos mapeados sobre a fachada de entrada do Mercado Modelo.

Foi minha primeira vez atendendo ao festival e fiquei impressionado com a estrutura necessária para realizar as projeções. Durante o tempo que passei no evento, fiquei procurando onde estavam os projetores, tentando entender as posições e ângulos para encontrar o encaixe perfeito nos edifícios da cidade.

A mostra principal foi dividida em blocos, permeados por comentários e homenagens dos organizadores do festival. Artistas da Bahia assinaram várias das obras projetadas, mas muitos artistas de fora também estavam presentes entre os expostos. Normalmente, essa separação por origem dos artistas não faria tanta diferença na minha recepção do festival, em geral, mas resolvi ressaltar esse ponto, porque um padrão se repetiu e, a partir dele, refleti sobre representação, organização e curadoria. Estou falando de uma presença extremamente marcante e perceptível, dentre as obras selecionadas: a inteligência artificial.



Deixando as opiniões pessoais acerca do uso desta ferramenta de lado, julguei que muitos artistas devem ter optado por usá-la em seus trabalhos por um possível curto prazo entre o lançamento do edital e a vigência do projeto. Porém, muitos outros dos projetos contemplados foram feitos de forma mais analógica, por assim dizer, de forma que me questiono se a escolha pela IA foi urgência ou mera preguiça.

Dentre os trabalhos que utilizaram a inteligência artificial para produzir imagens, muitos resultaram em imagens estereotipadas de cartões postais e do povo baianos. Em contraste com obras de teor mais político, que denunciavam, por exemplo,  a negligência com o Centro Antigo de Salvador, ou que exaltavam locais e eventos da cultura popular, como a Feira de São Joaquim e o Carnaval de Rua, as ilustrações artificiais ficaram aquém e deixaram uma impressão tosca. Foi notável a discrepância em conexão com o público e qualidade representativa entre os trabalhos que não utilizaram a IA (pelo menos, não de forma tão aparente e despreocupada quanto outros) e que conseguiram ser contemplados com, presumidamente, períodos próximos de preparação.

Mercado Modelo - SSA Mapping, 2024

Também senti que, talvez pela mesma questão do tempo para se preparar, que poucas das obras projetadas exploraram o mapeamento das estruturas do prédio, como a interação com as janelas, portas e o nome do Mercado Modelo na fachada. Embora muitos tenham destacado este último aspecto do edifício, poucos realmente inovaram e fizeram algo diferente dos demais. Algumas das obras, apesar das mensagens importantes, também falavam de narrativas com pouca ligação a Salvador, à Bahia e aos seus pontos históricos, não passando de meros vídeos simples projetados no formato do Mercado.

Em geral, fiquei feliz de ver um festival que, literalmente, desse luz a marcos históricos da cidade com símbolos e mensagens políticas importantes, principalmente por ser um evento gratuito e acessível. Mesmo com uma seleção questionável, estou animado para acompanhar as próximas edições e torço para que o festival dê cada vez mais projeção (trocadilho não intencional) aos artistas locais que merecem ter suas artes expostas em espaços tão significativos.


Miguel Gouvêa Lordello

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